Matéria publicada no jornal Folha de São Paulo, 9
de outubro de 2012.
Dever de casa e tarefa da escola
ROSELY SAYÃO
Ninguém questiona o mantra segundo o qual pais zelosos devem
acompanhar os estudos dos filhos
Professor particular, professor tutor, tia, avó que foi
professora, horas obrigatórias de estudo etc. etc. etc.
Pai e mãe que chegam do trabalho e, em vez de se dedicarem ao
relacionamento com o filho, vão estudar junto com ele. No início, com paciência
para explicar tudo nos mínimos detalhes. Pouco tempo depois, sem paciência
alguma e, não raramente, chegando aos gritos com o filho.
Tudo isso porque estamos chegando ao final do ano letivo e
muitas crianças, por causa das notas, estão a perigo tanto do ponto de vista da
escola quanto do ponto de vista dos pais.
Alguns pais me disseram que irão fazer o filho -e falo de
crianças com menos de 11 anos- estudar todos os dias com professores
particulares para "recuperar" toda a matéria dada desde o início do ano. Só
assim, me disseram, o filho conseguirá aprender a matéria apresentada agora, já
no último bimestre.
Tenho pena dessas crianças. Em primeiro lugar, porque pais e
escolas pensam que o processo de aquisição de conhecimento é igual ao de escalar
um morro: antes de chegar ao topo seria preciso dar muitos passos.
Não: já sabemos há muito tempo que o conhecimento não exige
pré-requisitos, ou seja, não é preciso aprender determinados temas para chegar a
outros.
Essa ideia está ultrapassada, tanto quanto nossa organização
escolar seriada que agrupa os alunos por idade.
Como diz Ken Robinson, autor inglês que trata da criatividade
e da inovação em educação, a data de fabricação das crianças não é o que as
agrupa quando se trata de aprendizagem do conhecimento. São seus ritmos e modos
de aprendizagem.
Em nosso país, o mantra de que os pais zelosos devem
acompanhar os estudos dos filhos não é questionado, tampouco problematizado.
Ponto para a nossa ideologia escolar, que consegue, desse
modo, delegar aos pais tarefas que são da instituição de ensino. E como tem
escola reclamando que os pais delegam a elas suas responsabilidades, não é?
O fato é que com a família em transição e a escola congelada
seria preciso rediscutir as funções de ambas e, inclusive, criar as bases do que
poderíamos chamar de "parceria escola-família".
O que os pais podem fazer para ajudar o filho que precisa
reagir em sua vida escolar? Eles podem, por exemplo, ajudá-lo a entender que
conhecimento exige esforço.
Uma ótima atitude a se tomar é organizar o dia do filho para
que ele tenha horários de estudo -entre outras coisas- e um local para fazer
isso longe das tentações que costumam ser estimulantes para ele.
Insistir para que o filho "grude a bunda na cadeira" até
conseguir estudar e focar sua atenção é outra atitude favorável que complementa
a primeira.
Nem a escola ensina isso. Basta o estudante experimentar
alguma dificuldade que ele pede para ir ao banheiro, tomar água etc. E a escola
permite, ou seja, não ensina que aquela dificuldade pode ser superada com
esforço e concentração.
Conversar com o filho a respeito da matéria que ele estuda,
fazer perguntas que a escola não faz, ajudar o filho a fazer relações entre o
tema e a vida ou mostrar a ele algumas dessas relações também incentivam
bastante a criança a entender o que é que ela estuda, afinal.
Sim, os pais podem, como nós acabamos de ver, ajudar o filho
em sua vida escolar, mas não como se fossem eles os professores. Podem ajudar
como pais, que nem sequer precisam saber o conteúdo das lições.
Se não fosse assim, como é que tantas pessoas com pais
analfabetos conseguiriam estudar?
Os pais devem ajudar ensinando a atitude diante do estudo.
Simples assim. Mas é algo tão difícil de realizar quanto simples.
ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como
Educar Meu Filho?" (Publifolha)